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Missão Amazônia no barco Abaré: entrevista com a estudante de medicina, Isadora Faion

“Os ribeirinhos realmente aguardam ansiosos os atendimentos do Abaré, eles ficam extremamente agradecidos pelo projeto e pelos profissionais que se disponibilizam para estar lá e atendê-los”.

Algumas experiências são muito enriquecedoras para um estudante de medicina, que tem contato com a realidade de um país com tantas diferenças sociais como o Brasil. Nessa entrevista ao Portal Medicina e Saúde, Isadora Faion, que cursa o 8º período de Medicina no UNIBH, fala de sua recente participação na “Missão Amazônia”, que foi realizada no estado do Pará, e que atende populações ribeirinhas da região, com 15 dias de atividades médicas.  Confira:

Isadora, primeiramente, o que é a Missão Amazônia, quando foi fundada, quem a fundou, objetivos? – A criação do projeto se deu em 2006, quando a ONG holandesa Terre Des Hommes (TDH), proprietária de um navio hospital, batizado de Abaré (“amigo cuidador”, na língua Tupi), fez a sua primeira incursão pelo rio Tapajós, com objetivo de prestar assistência médico-hospitalar às comunidades ribeirinhas do oeste do Pará. 

Em 2013, a Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) passou a assumir, de forma definitiva, a gestão do navio-hospital Abaré I, dando continuidade ao projeto. Mas só alguns anos depois foi que o Abaré se tornou navio-hospital-escola, iniciando suas atividades batizadas de “Missão Amazônia”, objetivando, além de possibilitar o acesso mais amplo das comunidades ribeirinhas À saúde, se transformar também em um projeto em que acadêmicos e professores de Medicina das Escolas do Grupo Inspirali, de forma voluntariada, em parceria com Secretarias de Saúde, ONGs e Escolas de Medicina, realizassem atendimentos médicos e educação em Saúde com essa população.

Como é o barco Abaré/barco hospital? Como funciona o atendimento médico? – A embarcação possui quatro andares. No primeiro andar existem quatro cabines com beliches, que são um dos locais onde os estudantes podem dormir, o segundo é formado por uma sala de espera, uma farmácia, um local para coleta de exames laboratoriais e cinco consultórios, sendo dois deles de Odontologia, dois Ginecologia e obstetrícia e um último para demais atendimentos, caso necessário, além de uma sala utilizada para pequenos procedimentos. No terceiro andar existe uma sala de estar para os voluntários, a cozinha e algumas cabines onde os profissionais da saúde, marinheiros e cozinheiras dormem. Já o quarto andar é formado por um redário, que constituí mais uma opção de local para os voluntários dormirem.

Como surgiu o convite para você participar da Missão Amazônia, foi uma seleção? – Para participar da Missão Amazônia é necessário passar por uma seleção formada por quatro etapas. Todos os estudantes, a partir do 7º período do curso de medicina das instituições do grupo Anima, podem se inscrever para participar do processo seletivo.

Quando ocorreu a missão? – A Missão Amazônia ocorre, normalmente, quatro vezes ao ano. A que participei ocorreu entre os dias 02 a 12 de outubro desse ano, e foram atendidas comunidades ribeirinhas de região de Aveiro e Belterra, localizadas no Oeste do Pará.

Quantos alunos de sua faculdade e de outras participaram dessa missão? – Foram selecionados quatro estudantes do Centro Acadêmico de Medicina – UNIBH, sendo três do curso de medicina e um do curso de enfermagem. Cada faculdade que participou da V Missão Amazônia levou cerca de 4 alunos para constituírem o grupo da missão, totalizando 28 alunos abordo do Abaré.

Qual o objetivo dessa edição? – Todas as edições da Missão Amazônia possuem o mesmo objetivo, que consiste em levar atendimento de atenção básica de saúde, procedimentos odontológicos e exames laboratoriais básicos para as populações ribeirinhas.

Quais trabalhos médicos você realizou? Durante quanto tempo? – Durante os 10 dias que estive abordo do Abaré, realizei atendimentos nas especialidades de Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia (GO), Medicina de Família e Comunidade (MFC), além de pequenos procedimentos cirúrgicos.

Quais as principais doenças encontradas? – Acho difícil citar algumas doenças mais encontradas, pois em cada comunidade que realizávamos os atendimentos e a depender da especialidade (GO, Pediatria, MFC e pequenos procedimentos) existiam diferentes demandas mais prevalentes. No entanto, se tivesse que citar exemplos mais marcantes para mim foram: na Ginecologia e Obstetrícia, o atraso na coleta de exames, como citologia oncótica, e o acompanhamento pré-natal feito de forma muito incompleta. Na Pediatria, notei que a maior parte das crianças inicia muito cedo a introdução alimentar com alimentos e bebidas não condizentes com a idade. Por fim, na Medicina de Família e Comunidade, atendi muitos pacientes com queixas de dores crônicas e quadros de diarreia associada a náuseas e vômitos que, em grande parte, relacionávamos ao precário acesso a água tratada e a má qualidade de higiene geral.

Como esses pacientes foram tratados? – De acordo com a queixa principal e a idade, os pacientes eram distribuídos para os atendimentos nas especialidades. Após a consulta, a grande maioria dos medicamentos prescritos estava disponível para retirada na farmácia do Abaré. Alguns exames básicos também eram realizados no laboratório a bordo do navio. A distribuição etária, de gênero e idade variavam em cada localidade.

Casos mais graves foram cuidados e pacientes enviados para algum hospital mais próximo? – Não tivemos situações de casos mais graves e que demandassem encaminhamento imediato para hospitais. No entanto, quando solicitávamos a realização de algum exame de imagem ou laboratorial que não era disponível no Abaré, os nossos protocolos previam o encaminhamento para Santarém. Porém, ficamos sabendo de missões anteriores, onde o deslocamento de pacientes que necessitavam de atendimento complexo, foi feito por barcos rápidos ou até aeronaves.

Isadora, como foi a receptividade das populações ribeirinhas? – Os ribeirinhos realmente aguardam ansiosos os atendimentos do Abaré. Eles ficam extremamente agradecidos pelo projeto e pelos profissionais que se disponibilizam ir para lá atendê-los. Sempre estavam com um sorriso no rosto, independente das queixas, pelo fato de saberem que estávamos ali para ajuda-los, e sempre deixavam muito claro a gratidão deles por cada atendimento prestado. Cabe salientar que a missão ocorre durante dez dias corridos, sem distinção entre dia de semana ou fim de semana e feriados. Como a população sabe com antecedência o dia que o barco estará em cada localidade, esse dia se torna um evento na comunidade!

Qual a sua visão da medicina depois dessa missão? O que mudou? – Inicialmente, quando me inscrevi, acreditei que por serem comunidades que não têm amplo acesso à saúde, atenderíamos pacientes com quadros mais graves e com pouco entendimento de saúde. No entanto, percebi que como o Abaré já presta esse serviço há algum tempo, grande parte da população já estava em uso de medicamentos para tratamento de doenças crônicas e tinham consciência de seus quadros. A questão da saúde básica, com cuidados de higiene e medicina preventiva, é um trabalho constante e vai precisar ainda de algum tempo para entrar na rotina dessas populações. É o famoso trabalho de formiguinha.

Outro aspecto muito marcante para mim foi que o problema para a população no âmbito da saúde não está ligado a falta de projetos que viabilizem o acesso, pois muitas possuem Unidades Básicas de Saúde, serviços de ambulanchas (como são conhecidos os barcos ambulâncias que circulam pelas grandes “rodovias, que são os rios da bacia Amazônica) mas, sim, na falta de profissionais da saúde (médicos, enfermeiros, dentistas, etc…) para trabalharem nesses locais.

O que a impressionou mais nessa viagem? – Essa experiência me trouxe várias reflexões. Me tocou muito saber que o problema do acesso das comunidades à saúde está mais relacionado a falta de profissionais na região do que de projetos e infraestruturas que viabilizem esse acesso. Com tantos profissionais se formando anualmente, inclusive na região do Pará, me vem o questionamento de porque não existem médicos dispostos a estarem atendendo nessas comunidades que realmente precisam de um maior acesso à saúde? Do ponto de vista governamental, algo precisa ser feito para levar o médico recém formado a se instalar nessas localidades. Não tenho dúvidas que o projeto Mais Médicos tem falhado nisso!

Você iria novamente em outra Missão? Isto pode acontecer ou a experiência é apenas para uma única Missão? – A Missão só é capaz de levar em torno de quatro estudantes por faculdade. Desse modo, como forma de tornar a oportunidade igual para todos, só é possível ir uma única vez. Por isso, a necessidade desse processo seletivo a que me submeti e que é muito concorrido. No entanto, tenho muita vontade de me inscrever e participar de outros projetos voluntariados no Brasil e fora daqui.

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